sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Budapeste parte I - um belo dia


Jane acordou ainda mais bela. Fui à janela e observei húngaros caminhando em todas as direções. O sol baixo e forte indicava que a manhã fria logo ficaria agradável. Optamos por começar o dia relaxando nas termas do parque da cidade. Boiamos em águas de diferentes temperaturas e odores. Frequentamos saunas secas, molhadas, coloridas e aromatizadas. Relaxamos até nos cansarmos.
Na saída do parque havia a galeria nacional, que estreava uma mostra sobre Klimt e seus cumpadres. Jane fingia gostar de coisas que considerava intelectuais e eu a acompanhei, torcendo para que não se tratasse de pinturas semelhantes às de meu sobrinho Calvin. Jane lia atentamente cada quadro informativo e eu a larguei em busca de mulheres peladas. Dei sorte. Aqueles austríacos safados retratavam o corpo feminino desnudo com diferentes técnicas e estilos. Estendi os braços para trás, cruzei as mãos e caminhei vagarosamente, parando em frente às obras, apreciando cada detalhe. Me rendi às artes, constatei.
De repente a vi. Ela era opaca e brilhava ao mesmo tempo. Cabelos ruivos e soltos, contrastando com o movimento azul do universo no fundo. Via-se marcas de pincel em seus olhos brancos e compreensivos. Seu braço direito erguia um espelho, que simbolizava claramente qualquer coisa. Havia uma serpente tosca passeando por suas pernas. Uma espécie de moldura dourada fazia parte da obra e iluminava a sala. Nuda Veritas. Sinto que nos encontraremos outras vezes.
Quando cheguei ao final da exposição, Jane me aguardava. O sol estava forte e caminhamos até a ilha mais próxima. Intencionalmente sentamos à beira do rio e enlaçamos as mãos. As folhas já secavam e caíam. Vimos no horizonte um monte em cujo topo havia uma pequena estátua. Calculamos que havia tempo suficiente para caminhar sem pressa e lá chegar antes do sol se por.
Os dois lados do rio eram belos. Num deles havia montes com palácios, igrejas e edifícios antigos. O outro lado era plano, com um parlamento enorme no centro e belas construções na margem, com exceção de alguns prédios comunistas e horríveis. Vista do alto, Budapeste era ainda mais bela. Sentamos entre o sol e a cidade dourada, até não haver mais nem uma coisa nem outra.


Jane me informou que havia comprado ingressos para um espetáculo musical, cuja personagem principal era uma espanhola gostosa que todos qureriam comer. Tomamos o metrô e conseguimos chegar a tempo. O lugar era luxuoso e estava cheio de húngaros bem vestidos. Vi muitos instrumentos musicais e imaginei que Jane me sacaneara de novo. Cordas vibraram, sopros reverberaram. A espanhola entrou. Não era lá essas coisas, mas compensava com uma voz magnífica. O som percorria o ambiente como o fundo azul da verdade nua. Até reconheci uma ou outra canção e sorri para Jane, tentando sacar de onde eu conhecia aquilo. Toque de celular ou desenho do Pernalonga? Aplausos. Vinho. Jane. Um dia pode ser perfeito em Budapeste.

3 comentários:

  1. Ei, Caramujos.

    Maravilha que essa estranha, ousada, estupenda viagem instiga, entre umas e outras, o olhar,a intuição, a imaginação, a sensibilidade, os insights para o outro lado das coisas, o oculto, portanto o verdadeiro, o que realmente conta. E - tão ou mais importante - exercita a habilidade, o talento para expressar tudo com exatidão, emoção, humor e magia.

    A gente celebra. E fica aqui orando, fervorosamente, para que toda essa imensa capacidade não se confine à sazonalidade das férias estrangeiras

    Parabéns.

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  2. Estou me tornando uma criatura viciada neste blog. Não sei o que será de mim quando essa viagem acabar.

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  3. dá pra almoçar na Europa e jantar na Ásia...

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